9º Fórum TCE e Jurisdicionados - O Meio Ambiente e o “Ser” Sustentável

Em 2008, materializando uma ideia sugerida no ano anterior pelo conselheiro Nelson Chaves, o Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA) realizou o primeiro Fórum TCE e Jurisdicionados. O principal objetivo do evento, segundo o preconizado pelo autor da proposta, ainda na fase germinal de quando apresentada em Plenário, era aproximar o Tribunal de Contas das pessoas que, de algum modo, tinham o dever de prestar contas de valores recebidos dos cofres estaduais – os jurisdicionados.

 Aquele ano, de certo modo, representou uma mudança de paradigmas na relação do TCE-PA com a sociedade e as demandas correspondentes. Nesse contexto, a Lei nº 12.527/2011 (Lei da Transparência) ampliou os mecanismos de participação da sociedade nas decisões do poder público, incluindo os órgãos de controle, à medida que garante o livre acesso ao cidadão, ressalvadas as exceções previstas em lei, de qualquer informação que seja de seu interesse como indivíduo, particular ou coletivamente.

Assim, o TCE-PA iniciou um processo de abertura na sua relação com os cidadãos paraenses, porque o desconhecimento a respeito da função social de um órgão de controle induzia muitos a pensar no Tribunal mais por sua arquitetura moderna, como o prédio de vidro da Travessa Quintino Bocaiúva com a Avenida Nazaré, do que pelas ações que exerce em sua função constitucional de zelar pelo correto e regular uso do dinheiro público.

O “Fórum”, portanto, tem se revestido, a cada edição, de uma natureza orientadora, pedagógica, e por isso, preventiva, alcançando níveis crescentes de conscientização, seja por parte do estado como agente de promoção da busca pela igualdade social através de políticas públicas que priorizem, sobretudo, as populações vulneráveis, seja por parte do cidadão cujo poder de também fiscalizar e exercer controle social sobre essas políticas públicas deve ser usado como contrapeso às ações do estado, quando não atendam às expectativas e necessidades legítimas do conjunto da sociedade. 

Especificamente em relação à sustentabilidade, o TCE-PA, nesses últimos dez anos, tem promovido tanto ações pontuais como atuado em auditorias dirigidas à questão ambiental.

Quanto às primeiras ações, citamos a semana “Ideias Verdes”, realizada em 2008, com a campanha ostensiva para o uso racional da água e da energia elétrica no TCE-PA, coleta seletiva de lixo em parceria com associação de trabalhadores com material reciclável); b) participação em concurso para a escolha do melhor jardim no percurso do Círio de Nazaré, tendo conquistado o primeiro lugar no ano de 2014; c) campanha de recolhimento de remédios vencidos, além de pilhas e baterias de celulares descarregados; e d) reutilização de resmas de papel para a fabricação de bolsas de colostomia.

Em relação às auditorias operacionais, o TCE-PA realizou duas desde 2008: uma em 2013, cujo objeto foi o Parque de Proteção Ambiental do Utinga. É nele que se encontram os lagos Bolonha e Água Preta, cujas águas abastecem a cidade de Belém e as demais da Região Metropolitana. Depois de meses de auditoria, o TCE-PA fez inúmeras recomendações ao poder público estadual, como as dirigidas à Companhia de Saneamento do Pará – Cosanpa para que mapeie os pontos de despejo de esgotos in natura que afetem direta e indiretamente a área do parque a fim de resolver a questão do saneamento do entorno, revitalizando ou criando estações de tratamento do esgoto; e à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, no sentido de manter fiscalização permanente, além da realização de educação ambiental com a população residente no entorno do parque objetivando a preservação da biodiversidade local.

Em 2014, o Tribunal realizou outra auditoria operacional na área ambiental, desta vez tendo como objeto as Unidades de Conservação Estadual – UCs. O Pará tem 21 UCs espalhadas em seu território, que são áreas naturais a serem preservadas em sua biodiversidade para as futuras gerações. Quanto a isso, o TCE-PA, após a auditoria, recomendou à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade  - SEMAS que intensifique as atividades de fiscalização e dê maior rigidez na aplicação das penalidades aos desmatadores, com vistas a reduzir e coibir desmatamentos ilegais, bem como busque proibir uso e ocupações irregulares, o desmatamento e a degradação dessas UCs.

Então, depois de promover em seus fóruns temas como “O Tribunal de Contas frente às exigências da sociedade”, “Transparência”, “Governança Pública”, dentre outros, o TCE-PA, atentando para a pertinência da questão ambiental, escolheu “Governança e Sustentabilidade” para ser objeto de reflexão durante dois dias na nona edição do evento que reúne centenas de pessoas, entre gestores públicos, profissionais liberais, estudantes, juristas e demais cidadãos interessados em debater com especialistas estratégias, diretrizes e mecanismos que o poder público pode e precisa adotar para estabelecer uma relação equilibrada entre desenvolvimento e sustentabilidade.

Os governos, seja federal, estadual ou municipal, como agentes executores de políticas públicas, são os responsáveis por uma abordagem que inclua a lógica do lema apregoado nas administrações desde o fim do século XX: “economicamente viável, socialmente justo e ecologicamente sustentável”, no Objetivo 16 da ONU, que busca alcançar para os povos do mundo paz, justiça e instituições eficazes como metas a serem atingidas até 2030.

O século XXI, em relação ao anterior, quando se considera a questão ambiental, inaugurou a tentativa de sobrepor ao interesse particular ou individual os interesses coletivos, globalizantes, em relação à sustentabilidade. Quando os países, e, em escala particular, as cidades começaram a pensar em soluções para aspectos específicos ligados ao seu meio ambiente no início do século XX, a relação entre desenvolvimento e sustentabilidade que incluísse o ser humano como elemento dosador do pêndulo a equilibrar os dois polos, era algo sobre o que os gestores de então sequer sonhavam ponderar.      

A Belém do início do séc. XXI, que debate em um Fórum a relação entre Governança e Sustentabilidade, não é a mesma de cem anos antes, da Belle Époque, que queria ser ou parecer uma pequena “Paris na Amazônia”, adotando uma configuração urbana imitante daquele centro de cultura e conhecimento mundial de então.

No auge da economia da borracha, sob a gestão do intendente Antônio Lemos, a cidade testemunhou a transformação de suas ruas em boulevards, em torno dos quais se construíram palacetes, praças e teatros, os braços de rio se transformaram em canais pavimentados, a “Cidade das Mangueiras” ganhava o título a partir de plantação das árvores nas avenidas centrais, e sistemas de esgoto e coletas diárias de lixo também chegaram, tudo em consonância com a tentativa de urbanizar nos moldes europeus a cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará.

Tal desenvolvimento urbano, porém, de certo modo artificial e historicamente limitado, desde que iniciado e terminado no período específico da borracha, não aconteceu tendo como espectro o todo da sociedade de Belém, considerando o fato que, ao urbanizar ruas e canais, o poder público à época afastou da área central “urbanizada” as classes sociais desfavorecidas, levando-as a experimentar dificuldades próprias da condição de “excluídos”.

Por isso, ao pensar no tema “Governança e Sustentabilidade”, o TCE-PA dá um passo significativo na direção de incluir essa relação no âmbito da “humanização”. Ou seja, na ênfase do fato de que a natureza não é um fim em si mesmo, divorciado da lógica segundo a qual o “meio ambiente somente pode existir, de modo sustentável, se servir ao homem que, por sua vez, o preserve para dele se sustentar”.

Esse círculo virtuoso deve prevalecer e substituir o “vicioso círculo” que afirma a possibilidade desse homem mudar o meio ambiente para se sustentar, obrigando o meio ambiente a se adaptar às mudanças para poder sobreviver. E, no final, a prevalecer essa lógica perversa, ambos, Homem e Natureza, sucumbiriam pelo esgotamento total dos recursos naturais em um “abraço de náufragos”!

Então, ao ministrar a palestra de encerramento do 9º Fórum TCE e Jurisdicionados, o professor de Filosofia Vitor Sales Pinheiro observou com precisão o fato de que as ações em favor da sustentabilidade somente podem existir a partir da integração entre os atores envolvidos; elas exigem articulação em todos os níveis: estado com sociedade, sociedade com sociedade, estados com estados, visto que as metas se justapõem e se complementam, sempre em busca de atender aos interesses coletivos, gerais, “globalizados”.

Para ele, portanto, governança ligada à sustentabilidade impõe à gestão pública a busca constante pela articulação entre o controle externo e o social, uma vez que “é imperativo que a sociedade acompanhe, pari passu, a gestão pública, monitorando suas políticas a ver se escolas tem professores, se os postos de saúde têm remédios e se a segurança pública atende, prontamente, o cidadão quando segurança procura”.  

Sales Pinheiro afirmou que, mais do que nunca, o controle externo deve assumir seu papel e atualizar suas potências, “articulando com o Parlamento as medidas necessárias para que o poder público implemente políticas sustentáveis, e, então, o Brasil e, particularmente o Pará, possam experimentar tempos de paz, justiça e instituições eficazes”, pontuou.